“Não há limites para expandir e interiorizar”


Foto: Sandra Ribeiro

Foto: Sandra Ribeiro

Interior. Pode-se dizer que a palavra resume muito do que consumimos e do que nos consome. Nosso interior, a descentralização, a horizontalidade e a descapitalização no seu sentido urbanista. Nós, representados pelas capitais culturais de nosso país, representamos aqui mesmo a massa cultural de lá, e assim nos fazemos corrente. Pronto, feito o paradoxo, posso começar.

A Noite Independente/Noite FdE de abril aconteceu no domingo, 17, e foi palco para três nomes da música, e varal para dois outros da poesia visual e literária. Se a pauta desta manifestação cultural continua a ser reeducação musical e integração das artes, o Corrente Cultural caprichou no espetáculo.

O duo Jack Levada é experiente, carismático, louco, romântico e poçoscaldense, é claro. Com três trabalhos gravados – todos de maneira independente – o irreverente violonista Ernani Fernandes e o percussionista Julio Bonanome trouxeram para a NI a sua MPB singularizada, em versão acústica com cajón e violão, e sonoridade interiorana. Com sete anos de estrada, mesmo com a dificuldade de dedicação exclusiva para o projeto, a dupla relembrou bons momentos da carreira, e mostrou a atual musicalidade de Caminhos, álbum de 2010. A banda carregou pra sua bagagem os aplausos de toda a Noite Independentee do Corrente Cultural. Como sugere a canção Se é assim, “eu não quero ouvir tanta explicação de que o tempo é pouco pra dividir o coração”, esperamos todos por mais poesia e música do coração da Jack Levada, que não deve parar nem por um segundo.

Enquanto isso, no corredor ao lado, a poesia literária de bruno nobru (Pouso Alegre-MG) trocava arte com o trabalho da fotógrafa munícipe Camila Forlin, ambos pendurados no Varal da Arte. O escritor bruno nobru tem vários trabalhos lançados, todos de produção independente, e trouxe para o Varal o que ele chama de trechos, fragmentos do seu trabalho em manuscritos em papel cartão. Camila Forlin conseguiu contrastar toda essa poesia com seus registros fotográficos, que já acontecem artisticamente há um bom tempo, e que agora tomam forma profissional.

Não demorou para que o Varal fosse complementado novamente com acordes e vozes, e muita energia.

Quando a Lisabi (Campinas-SP) subiu ao palco, a meia luz não escondeu o que brotava aos olhos: a música e como ela excele em sua arte. A banda propõe um trabalho musical transcendente, que ocupa mais que a simples sonoridade casual. Performáticos e enérgicos, André Cardoso, Matheus Fattori, Gabriel Slenes,Anderson Kaltner, Sebastián e Mateo Piracés, mostraram a que vieram. São seis jovens, alguns barbudos, outros com cabelos despenteados, de xadrez ou listrado, às vezes as duas maneiras, que trabalham pela sua própria música, uma mistura de jazz, progressivo, ska, e dezenas de outras coisas. No palco, mostraram seu trabalho gravado em 2010, AuDiable Lês Bananes, um som dançante e que mexeu com pés e cabeça de todos. Foi estonteante. Incendiário.

A terceira atração da Noite foi a Cinema Mudo (Curitiba-PR), que calou o incêndio com sua música serena, poética e incrivelmente bela. Erra quem imaginou uma banda de baladas piegas. A voz de Fernando Moreira conduziu canções dissonantes, com tons jazzísticos sem perder a veia Rock. O quinteto ainda é formado por Jones Monteiro, JP Branco, Diego Donaysky e Marky Erzinger, uma trupe de músicos dotada de argumentos que vão do trompete às guitarras distorcidas, sintetizadores e boa cozinha de baixo e bateria que os fazem dispensados de qualquer comentário. Se ainda cabe um, que seja só para ilustrar, a Cinema Mudo fez o New York Pub desabar com canções do seu primeiro registro (fruto da premiação do festival Garagem de Talentos Fnac/Gazetinha), o EP Doses Homeopáticas, que está prestes a sair do forno.

Para finalizar, saudemos a cultura do interior, com suas crenças, seus costumes e valores, e suas manifestações culturais, tão boas como as de qualquer lugar. Fazemos cultura em Poços de Caldas, e o Corrente Cultural não deseja mais nada, senão a valorização desta.
Fico eu aqui, satisfeito, com um trecho de bruno nobru: “não há limites para expandir e interiorizar” – do livreto Riscos, de 2010. E nunca haverá.

 

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