Ele subiu ao palco do Espaço Cultural da Urca pela programação da V Feira Nacional do Livro e IV Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços) organizada pela GSC Eventos com a questão: Literatura Periférica ou Marginal?, no último dia 27 de abril.
Como o próprio currículo diz, Ferréz tem prosa ágil e seca composta com doses igualmente fortes de revolta, perplexidade e esperança. Ele reivindica voz própria e dignidade para os habitantes das periferias das grandes cidades brasileiras.
Ligado ao movimento hip hop e fundador da 1DASUL – loja de roupas totalmente idealizada no bairro do Capão Redondo – o escritor já avançou na carreira e hoje escreve roteiros para cinema e televisão, como o filme “Brother” e o seriado “Cidade dos Homens”, além de atuar como cronista da revista Caros Amigos desde 2000 e ter lançado, em paralelo, edições especiais da revista com o lançamento de vários outros autores das periferias.
Sem querer, ou pretender, ele abria as cortinas para que os demais escritores marginais contemporâneos entrassem em cena.
Encontro de Literaturas da Realidade Periférica
E ele não parou mais! É pela editora Selo do Povo, que fundou recentemente para incentivar a literatura por meio de preços mais acessíveis, o lançamento da Turnê 2010 – um passeio poético pelas quebradas do mundaréu. E nesta viagem se encontrou com a jornalista e escritora poços-caldense Jéssica Balbino. Ela participou da palestra durante a Flipoços e debateu, como convidada, as questões voltadas à periferia e à literatura.
Autora e integrante de livros ligados ao tema, Hip Hop – A Cultura Marginal e Suburbano Convicto – Pelas Periferias do Brasil, a jornalista lança, ainda este ano, o livro Traficando Conhecimento, pela Aeroplano Editora, onde conta sobre a ligação com a cultura hip hop e com a literatura marginal.
Os debates acerca do tipo de literatura contemporânea produzida nos guetos não param por aí. “A poesia que vem das ruas” por meio desta filosofia de vida, o poeta Sérgio Vaz, que se autointitula o “vira-lata da literatura” está ganhando espaço nacionalmente por manter, há oito anos, a Cooperifa – cooperativa cultural da periferia – em São Paulo e reunir, semanalmente, cerca de 400 pessoas para ouvir e declamar os próprios textos num boteco da quebrada onde vive.
Em 2009 foi eleito, pela revista Época, uma das cem pessoas mais influentes do país e por conta de títulos e ações como esteve presente, no último 1º de maio, no Flipoços, com a palestra “Os novos rumos da literatura marginal”.
Com seis livros escritos, o poeta é considerado, por autores já conhecidos, um marco. De acordo com Marcelino Freire, quem for estudar a história da literatura brasileira precisa definir entre antes e depois do Sérgio Vaz.
Desta maneira, as portas de um evento literário foram abertas para esta nova escrita, feita do povo para o povo e que invade as academias, os becos e as bienais, levando a voz do gueto para a elite, na forma de poesias, contos e muita literatura.
Para quem não compareceu a Flipoços deste ano ainda dá tempo de compartilhar a experiência lendo a entrevista com o romancista e poeta Ferréz realizada pelo estudante de jornalismo Éder Rezende.
Ferréz, fale um pouquinho sobre como tudo começou. Como você se tornou escritor de literatura marginal?
Ferréz: Eu comecei praticamente no primeiro livro independente, o Fortaleza da Desilusão e fui trabalhando com ele na rua, muitos lugares, tentando vender. Fiquei desempregado e trabalhei com ele na rua mesmo. Na época não tinha sarau, não tinha eventos, nem nada. Eu ia vendendo de bar em bar.
Você trabalhava numa empresa e colocava textos no mural, não é? Como foi isso?
Ferréz: Isso. Eu colocava textos no mural e um dia a dona da empresa, que era muito rígida, a Dona Ana virou e falou “isso aí não pode, esse monte de papel pregado” e eu falei “é que faço poesia” e ela “eu gosto de poesia, deixa eu ver” e pediu o livro para ver e a partir disso ela apoiou o livro. Então, meu patrão nem acreditava e falava “porra, peão, você é um cara esquisito, não sabe nem escrever direito”. Ela apoiou o livro e depois disso ela me mandou embora e me fez sair na quebrada vendendo o livro. Foi aí que eu comecei mesmo na literatura. Comecei militando e divulgando a literatura de bar em bar.
E nessa militância, passou por muito preconceito, nesse tempo que tem na literatura, fazendo uma abordagem de forma rápida?
Ferréz: Mano, tinha tanto preconceito que teve cara que falou: “meu, não vou comprar seu livro porque eu vou cheirar”, “não vou comprar seu livro porque eu vou beber cerveja”. Eu fui para show de samba fazer venda de livro e me roubaram vários livros e ainda ninguém comprou nenhum. Já aconteceram várias coisas, de eu ir numa distribuidora, levar o livro e ninguém querer. Do cara falar que o livro era uma bosta, que o livro não presta. Passei por tudo isso, sabe? Mas eu não me arrependo de nada porque é o que me alimentou hoje, para eu fazer uma boa literatura.
Durante o Flipoços teve a presença da Jéssica Balbino, jornalista e ela leva esta cultura marginal para a região. Como você vê isso, sabendo que tudo começou a partir dos seus textos que ela lia?
Ferréz: A Jéssica é o tipo de pessoa que a gente fala que é célula, o muro que conseguimos construir, e essas pessoas que militam nos lugares e agregam a gente, sabe? Então, ela é uma pessoa importante para a literatura marginal, assim como todas as pessoas que estão em outros estados. A literatura marginal não tem essa coisa de bairrismo, de separatismo e para mim é legal dividir a palestra com ela. Porque é uma pessoa nossa, igual a mim, do povo. Para mim eu tenho muito mais orgulho disso do que se for um catedrático.
Teve alguns textos seus que foram censurados em materiais didáticos, tanto em Poços como na Bahia. Conte um pouco sobre isso.
Ferréz: Eu fico sabendo pela boca dos outros. Eu não acompanho muito isso, mas, mano, censurou ali nós publica outro aqui. A internet ninguém pode censurar e a gente publica direto, não tem como deter. A literatura vem invadindo. A gente nunca pediu licença, nunca falou: “abre a porta para mim”. A gente já arrombou a porta, entrou e já tomou de assalto. Os moleques querem a escola quer.
Você já participou de publicações em grandes editorias e hoje em dia você tem a Selo do Povo, uma editora própria. Como funciona?
Ferréz: A ideia é fazer livro barato, que eu possa vender em todos os lugares. Poder distribuir o livro a um preço bom, que não seja no mercado formal. Eu tenho o formal e nós que traficamos por fora. Viramos traficantes, mas de informação. Vamos traficando por fora os livros.
E a sua grife? Fale um pouco como ela funciona?
Ferréz: Então, nós montamos um site na internet (www.1dasul.com.br) e ela é uma marca que montamos na quebrada para gerar mão de obra. Uma roupa própria da quebrada. Conseguimos fazer com que a favela tenha sua própria moda, sem a gente ter que contar com a moda dos outros, porque é uma grande consumidora de moda dos outros, enriquecendo os outros. Então, está na hora da gente construir nossa própria estrutura.
E você tem um sonho bem diferente. Que um dia as pessoas roubem e trafiquem livros. Como é isso?
Ferréz: Ah mano. O meu sonho é esse mesmo. É o cara chegar e falar: “tio, me dá aí, me dá aí os livros, os bagulho, tô a milhão, quero estudar, quero usar esse livro agora, me dá aí que eu tô necessitado de uma dose logo desse livro”. A ideia é essa. Tráfico informal de informação e porte ilegal de inteligência.
Qual a importância de você participar do Flipoços e trazer para o sul de Minas um pouco deste novo olhar da sociedade?
Ferréz: Ah cara, eu aprendo muito. Uma feira de importância, que está no mapa cultural do Brasil, estou honrado de estar aqui fazendo parte com um monte de gente legal. Muito bom.
E para o pessoal que gosta de hip hop, poderia deixar um salve?
Ferréz: Posso. “Prus canalha é loco. Aqui nós é protesto. Ferréz e Negredo rimando pelo certo / sem farda na revolução/ arquivo pronto pra missão”