É tudo nosso: hip-hop dribla suposta crise e fortalece a Corrente


Foto: Matheus Siqueira

Foto: Matheus Siqueira

“Eu odeio hip hop. É música de preto, pobre e favelado”. São com estas palavras que um vídeo gravado em forma de texto com imagens ilumina a manhã ensolarada de terça-feira. São 9h30 da manhã e a rotina não para. Os ônibus trafegam e os trabalhadores passam a empilhar tijolos, materiais, e dar fim na pilha de papéis pendentes sobre a mesa.

Num lugar pouco comum – sim, numa biblioteca – um grupo de pessoas ainda mais incomum quebra a rotina e se reúne para algo inédito em Poços. Um workshop sobre a cultura hip-hop.

A originalidade da manhã funde-se com a presença de amigos e anônimos, que, em volta das mesas largas, cercados por estantes cheias de livros, se juntam para ganhar um pouco mais de conhecimento.

A afirmação do vídeo vai ao encontro do que está sendo falado e do preconceito diário que precisa ser quebrado por quem vivem às margens da sociedade e sobrevive e respira cultura.

Garotos em situação de risco saem da casa onde vivem porque querem, e se deslocam para assistir ao workshop porque tem vontade. Eles integram o projeto Menino Quero e tem a vontade respeitada. Estão ali porque tem desejo de conhecer mais sobre os DJs, MCs, Breakers, Graffiteiros e pesquisadores. Os cinco elementos do hip-hop se unem num telão que exibe textos em forma de vídeos e batalhas de rimas.

Uma discussão sobre a polêmica levantada pelo jornal O Estado de São Paulo (clique aqui para saber mais), de que o hip-hop está a procura da saída perfeita é o calor que  faz a discussão ser incendiada por opiniões diversas acerca do tema, mas que caminham para um único consenso: o hip-hop não vai acabar tão logo e a efervescência cultural da cena marca e desmarca interesses camuflados por quem finge trabalhar. Os ativistas trabalham sério e mostram a que vieram. (clique aqui e confira mais sobre a polêmica)

Os mais desavisados tem a atenção captada por DJs que relatam o próprio cotidiano e se entretém com as brincadeiras do homem que está prestes a ser papai e dribla a ansiedade com explicações sobre como fazer um scratch, qual a diferença entre as agulhas e o mixer de uma pick-up e ainda conta histórias dos primórdios da maleta cheia de discos que ele carrega para onde vai.

Entrecortado – assim como os discos que está acostumado a riscar –  pelas perguntas do público que quanto mais os minutos avançam no relógio, maior fica do lado de dentro da biblioteca, DJ Mancha divide o espaço com a jornalista e escritora Jéssica Balbino (www.jessicabalbino.blogspot.com) @jessicabalbino, que faz intervenções para explicar conceitos mais teóricos – e nem por isso menos importantes – da cultura hip-hop e do surgimento e união dos elementos nos anos de 1970, quando Afrika Bambaataa resolveu abandonar as brigas de gangues e enfrentar uma batalha ainda maior: a de promover paz, amor, diversão e união para a comunidade em que vivia, o Bronx, no gueto de Nova Iorque, nos EUA.

A sequência é dada pelo MC Leopac (www.myspace.com/leopacnotom), @leopacuai que representa o segundo elemento reconhecido e vivido pelo hip-hop no mundo, durante o surgimento do movimento. Com uma prosa ágil e inteligente, o mestre de cerimônias se apresenta de forma bastante íntima e o público que o assiste sente a identificação.

Negro, pobre e cheio de sonhos. Ao melhor estilo de um guerreiro lendário, o jovem que compõe as próprias letras e investe em beats sampleados tem muito a dizer. O tempo é curto e as explicações são inúmeras. Esclarece dúvidas, conta com a participação de DJ Mancha, a oportunidade de participar do workshop e expor mais sobre o trabalho que realiza, de forma responsável e original, a pelo menos cinco anos.

Do lado de lá do Coletivo, onde estão presentes a organização, a logística e a comunicação, o evento é transmitido, ao vivo, via câmera de notebook pelo twitter – também conhecida como twitcam – e também com posts simultâneos na mesma rede social. As novas mídias e tecnologias permitem uma cobertura em tempo real e entrevistas feitas de forma bastante inovadora e alternativa por Bob, um dos integrantes do Corrente Cultural.

Perguntas surgem a todo momento e de repente, um espaço estático ganha vida e os livros flutuam acima das cabeças, quando embalam discursos embasados em letras já lidas e estudadas naqueles mesmos bancos. Os olhos brilham pela conquista de um objetivo e as palmas anunciam o fim da oficina. Durou quase duas horas e parte do sonho está realizado: as pessoas saem do local felizes e acrescidas de algo. Os oficineiros se abraçam e comemoram: vitória do hip-hop, que não tem nada de crise e sim muito a dizer, discotecar, graffitar e escrever.

Bem-vindos ao fascinante universo de paz, amor, diversão e união da cultura marginal que fica do lado de lá da ponte, onde não tem asfalto e mesa cheia, mas a barriga vazia combina com as ideias que fluem, com a cabeça que cria. Para este semestre o Coletivo já prepara mais workshops envolvendo a cultura hip-hop. Mais um elo para a Corrente!

É tudo nosso.