Se olhasse para o palco, veria dos sabores mineiros a maior tentação: a música. Combinadas na madeira do violoncelo e da velha cadeira provinda do empório, as reações dos que iam se chegando era de dar gosto. No corredor que precedia tudo isso, as emoções se aguçavam pelo varal de poesia, da literária e da visual, e daquela que cada um que chegava trazia em seus olhos.
A Noite Fora do Eixo Poços de Caldas/Noite Independente de junho aconteceu nesse último domingo, dia 26 de junho, no New York Pub. Sob a luz os poemas de Crys Marques e os desenhos de Djalma Guimarães, e sob a meia-luz toda a musicalidade de Finlandia, Leo Domingues e Nikka.
O duo Finlandia (Argentina) abriu a Noite FdE com a breve cerimônia de um ‘buenas noches’ sobreposto imediatamente pela fantástica melancolia de um violoncelo. Daí em diante veio órgão, acordeão e beats eletrônicos se misturando e lapidando um baile eletro-acústico de danças e ritmos latinos, brasileiros e expatriados, como o tango finlandês, que inspira o nome da banda. A dupla formada pelo brasileiro Raphael Evangelista e pelo argentino Maurício Candussi tem pouco mais de um ano de história e já está na turnê do seu terceiro disco, Carnavales, uma viagem por 16 países incluindo a América Latina e Europa. A produção da turnê é inteiramente planejada pelos dois músicos que fazem questão de realçar a importância dos coletivos e redes como a Fora do Eixo, que segundo eles são peças fundamentais na carreira da banda. “A gente apenas faz aquela gestão macro e o resto são parcerias”, explica Raphael. Muito aplaudidos, os músicos que seguiram para Brasília-DF na manhã seguinte, fizeram questão de atrasar um pouco o sono e prestigiar o resto da Noite que só começava.
Leo Domingues (Poços de Caldas-MG) foi a segunda atração da Noite. A calma e a simplicidade do músico se evidenciavam nas suas composições, ora embaladas por um samba-canção ora de uma suingueira contagiante. Começou solo com seu violão, virou um bem bolado de sopros, baixo e percussão e acabou encantando todos os desavisados, pegos com o samba no pé ou um batuque nas mesas do pub. O músico fez gosto em apresentar na cadência do show cada um dos seus amigos que se juntavam no palco. Foi assim quando Nego Moura, parceiro de composições, iniciou a percussão, Émerson Martins caiu no groove do baixo e, no balanço que crescia, Marina Ulian na flauta transversal e Faustinho no trompete aquilataram ainda mais a reverenciada música de Leo Domingues. Se cabe aqui um resumo desse folião sossegado, sambista de botequim, simpatizo da sua frase: “sento, tomo um café e exercito um pouco minha sabotagem”, letra de Vitral, composição de Leo.
A banda Nikka (Poços de Caldas-MG) subiu ao palco para fechar a Noite FdE sob aplausos de um público ainda grande, mesmo com todo frio que se fazia na madrugada. O rock havia de acalorar aqueles pés que já se levaram no tango, no samba e agora queriam pular. O quinteto apresentou levadas de peso e a potente voz de Nana Ferreira, cantora e letrista da banda. Destaque para harmonias bem elaboradas nos acordes de guitarra de Fernanda Mucciaroni e Milla Fernandes. Na cozinha, a musicalidade se mistura no talento de Luciano Mucciaroni no contra-baixo e na veia rockeira de Felipe Miura que chega para completar o som, carregado de influências dos anos 90, do pop e do rock, com letras sobre a sociedade, amor e a hipocrisia dos conflitos armados, como na música “Céu de Bagdá”. A Nikka foi formada no ano passado por amigas que se encontraram na faculdade e no gosto pela música, e desde muito cedo a banda se preocupa com o trabalho autoral. Sob os aplausos merecidos e o pedido (muito bem atendido) de bis, a banda Nikka se despediu da Noite e dos pés, já aquecidos.
Lá fora, uma névoa cobria o ar. Uma pausa ainda para apreciar mais uma vez – e sempre – o Varal da Arte com o trabalho artístico do desenhista Djalma Guimarães, que estagnou a todos com o olhar do homem de chapéu desenhado sob detalhes fantásticos, e a poesia de Crys Marques, escritora já conhecida na Fora do Eixo Letras pela participação no zine OrFEL#00. Ambos são estudantes de arquitetura, amigos e dividiram todo essa arte por ali, sentados entre bancos e balcões como pessoas normais, com artes lindas, e apreço comum pela música.
Pronto, era hora de deixar o local e enfrentar o gelo da rua. Eis que uns saiam com fanzines debaixo do braço, outros com CDs da banquinha nas mãos, um até chegou a levar poema e desenho do varal pra sua casa. E eles se encontram no próximo mês, para curtir música independente, arte visual, literatura dos novos poetas e descontrair nessa noite agradável que se tornou de vez uma opção cultural de Poços.
Ouça aqui um trecho do poema “Homenagem a Troar” de Crys Marques, na voz de Tales Marine.
Veja também as fotos da Noite FdE de maio no Picasa do Corrente Cultural.