Ao público, meus parabéns. Quase todos vocês nem sequer toparam o desafio de ficarem em suas casas, longe de toda essa festança da arte independente e dos novos alquimistas da cultura que tem a tal fabulosa capacidade de transformar o estado da arte em um estado de espírito. Aqueles cujos lares são mais distantes, puderam então seguir a 20ª edição da Noite Fora do Eixo / Noite Independente pela transmissão via WebRadio FdE e se mantiveram ligados no Twitter do Corrente Cultural, que a todo instante trazia fotos e comentários.
O New York Pub foi sacudido nessa edição de setembro, com atrações inéditas da arte transversal ocupando espaço na noite poços caldense. Vou tentar ilustrar um pouco disso nas próximas linhas, tente entender.
O Los Cones (Campinas-SP) é impecável. Um quarteto, sobretudo simpático, da geração de rockeiros bem aparentados, cabelos curtos e jeans comportado. O rock que é distorcido, com melodias carregadas de nuances que vão do breu ao vívido das cores. E é por isso que eles encheram o espírito do público, completamente entregue a sonoridade simpaticamente fantástica de Los Cones. A banda além de mostrar um excelente instrumental, que transcende da guitarra semi-acústica ao sopros australianos do didgeridoo e palhetadas do contrabaixo distorcido, arrisca um naipe de vozes e petisca as melhores iguarias musicais, a exemplo de “Rio da Contramão” cantada intensamente pelos quatro integrantes. Destaque ainda para as enérgicas “Meu Pensamento” e “Do a Lot”, além da suavidade poética de “Patamares” (que você confere no vídeo) e, claro, sem deixar de lado, a irreverente sátira travestida de “Priscilly”, que aborda de forma bem humorada a situação de uma transexual.
O #VaraldaArte, esbelto, se erguia pelos tapumes da reforma interna do pub. A intervenção, que tomou a forma de um mural, trouxe a arte independente sob as poesias de Diego Saad e o trabalho visual de Tato Toledo. Natural de Guaxupé-MG, Saad deu o toque sórdido com sua literatura por vezes obscura, por outras vezes entorpecida entre o amor e uma dose de outra coisa mais forte. O fundo negro do mural era então afugentado pelo trabalho de Tato, artista poços caldense que apresentou suas obras de cores vivas em ilustrações digitais e lettering, arte visual de personalidade.
“Locomotiva e não trem de arrasto”, trecho da música Locomotiva, parece ser a definição ideal para o K2 (Poços de Caldas-MG). Quem os assistiu há exatos nove anos nos palcos da emissora global tocando, como um quinteto, as canções do segundo álbum da banda (com mais de 8 mil cópias vendidas de forma independente) pode dizer que hoje o power trio (!) toca os mesmos refrões, com inviolável propriedade – fruto de treze anos de estrada, engajamento sociocultural e sem dúvida de rock, porque ninguém é de ferro. Aliás, de ferro (e de aço) parecem ser o punhos de Douglas Maiochi nas baquetadas em “A Lei do Som” e “Toda Mãe é Santa”, tocadas em sequência, feitas para caírem os queixos desavisados. Sucessos como “Menina Doida” e “Mudanças” não ficaram de fora do repertório que trouxe ainda surpresas encomendadas do quarto álbum, em fase de produção. O que não falta é peso: o som murcho fica fora do set. “Brasileiro (Alma Grande)” e “Ontem Acabou o Nosso Amor” comprovam a veia grungehardcorerock n’roll em vocais endiabrados, além de linhas de bom gosto, na guitarra de Pedro Cezar e no baixo de Diego Ávila. Destaque ainda para “Riff em Ré” (que você confere no vídeo), música de postura forte, madura, que fechou a Noite FdE Poços com a convicção: “Agora não para mais, essa é a ideia” – Douglas.
Sim, essa é a ideia. Incessante, pois a cultura precisa ser encarada assim. Longe de picos, modismos, desatenções. Perto de sonhos, trabalho, inovações.
Pare um pouco e releia esse relato.
Entendeu?
Então não pare mais.