O direito autoral em meio à imaterialidade


Créditos da imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr

Créditos da imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr

Victor Negri é músico, participa do jornal Ô Xavante (xavante.art.br) e é membro do Coletivo Corrente Cultural. 

A recente mudança de pensamento com relação ao direito autoral é drástica, e assim provoca debates acalorados e desentendimento geral. O conhecimento e a informação têm sido vistos, cada vez mais, como entidades imateriais, em constante movimento através das pessoas e comunidades (vide iniciativas como o Creative Commons). Isso sempre foi verdade, e não deve ser um pulo dizer que isso é algo que ajuda a História a andar para a frente. Essa ideia, inclusive, provavelmente se relaciona de perto com a desmaterialização dos sons e imagens, coisas que, no nosso mundo digital-convergente, se tornaram todas arquivos de computador. Mas eu gostaria de falar de outra relação, menos física, se é que é esse o melhor termo.

Acontece que falamos de uma mudança, nesta área como em tantas outras, em que o chacoalhão vem espontâneo, de algum lugar do meio da multidão. Entraram em cena, vindos do público, o download e o compartilhamento de arquivos, e desmoralizaram por completo uma estrutura consolidada e gigantesca, industrial e corporativa. Meu ponto aqui é dizer que isto aconteceu, que não há volta, e que a discussão deve ser feita necessariamente a partir dessas novas condições de pensamento. Uso como argumento neste texto a música, mas isso pode ser estendido ao debate maior.

Criticar o download já se tornou hipocrisia. A prática acontece há pouco mais de dez anos, mas agora é mesmo tarde: já existe toda uma geração de pessoas que formaram todo ou boa parte do seu gosto musical através da internet, e não foi exclusivamente pelo iTunes (isso lembrando que nenhum sistema de compra de música online pegou aqui no Brasil, e nem mesmo foi suficientemente divulgado a ponto de chamar a atenção). E então algumas dessas pessoas tornam-se jovens bandas ou artistas, fazem trabalhos ótimos, frequentemente montam uma base de fãs através dos downloads deles, e são contratados por gravadoras, que condenam, às vezes até judicialmente, o compartilhamento de arquivos.

Acredito que muita gente que faz música hoje no Brasil gostaria sinceramente de dizer que seu conhecimento dela provém exclusivamente da coleção de discos de vinil do pai ou do irmão mais velho, ou dos discos que comprava com a mesada, como tantos famosos dizem em entrevistas, mas não é bem assim – provavelmente começou desse jeito, mas o CD foi ficando caro com o passar do tempo, e o acesso à informação na internet sobre música interessante frequentemente acaba levando a discos importados ou fora de catálogo. Mesmo a loja americana Amazon tem resenhas (sendo elas tendenciosas ou não) detalhadas e úteis a uma pesquisa, inclusive sobre música brasileira. Ao buscar em sites brasileiros como Americanas.com e Submarino, qualquer disco tem as mesmas informações: “a nova sensação do momento! Não deixe de conferir. Imperdível”. Some-se a isso o preço do produto, e a situação fica pouco convidativa.

As comparações entre o Brasil e o exterior (entenda-se: o exterior anglofônico que decide o gosto musical mundial) vão longe, considerando a marcação cerrada que acontece por lá – levando inclusive a punições arbitrárias e quase-milionárias a alguns coitados que, sabe-se lá como, são “pegos” baixando arquivos. Contudo, o que pode ser entendido por eles como uma “falta de firmeza” nossa ao lidar com a democratização da cultura pode justamente ser o que nos leva à situação atual: iniciativas espontâneas independentes cada vez maiores e a própria condição ágil e articulada do debate sobre o qual escrevo.

Além do fato de que o conhecimento não pode ser parado, como comecei este texto, deve-se acrescentar que seu valor também tem sido questionado. As situações, relativamente comuns hoje em dia, em que se pergunta ao público o quanto ele quer pagar, são um bom exemplo, mas não são tudo. Muitos artistas têm ponderado sobre qual é a prioridade de seu trabalho: alcançar o público ou gerar lucro. A primeira opção tem vencido, ao se considerar esse aspecto imaterial de se afetar a vida de alguém através da arte ou da difusão da cultura, e com isso inclusive causar o surgimento de novos artistas e criadores.

A parte financeira, certamente, é a mais complicada de toda a discussão. Os novos artistas provavelmente gostariam de receber dinheiro de direitos autorais com regularidade, se o sistema funcionasse igualmente para todos. Por outro lado, há a dificuldade do “establishment” em compreender iniciativas como a economia solidária, e também a complicação constante no mundo independente no que diz respeito à renda dos artistas (frequentemente é necessário viver concorrendo em editais de leis de incentivo, competição que também tem se provado desleal).

Para terminar, e voltar tanto à música quanto ao conflito de mentalidades, um exemplo. Pensemos nos shows de artistas internacionais que têm acontecido no Brasil (e têm sido muitos, vários deles inclusive no auge da popularidade, ou do hype), que lotam arenas e estádios. Será que Radiohead, Strokes, Franz Ferdinand, Interpol, para ficar em exemplos relativamente mais jovens, pensam que seu público, que vai aos shows aqui, comprou seus discos? Ou então, acham que o que explica o declínio das vendas é que os antenados agora compram discos de vinil (os quais, aqui, custam cerca de 100 reais)? Será que se sentiriam “roubados” (para usar o verbo mais comum, lá fora, que se refere ao compartilhamento de arquivos) ou continuariam felizes em ter tantos fãs por aqui?